sabes, fiz-te um mealheiro com um copo de cartão do starbucks que tinha o meu nome a caneta, afinal de conta, sem ainda existires, sentia-te já parte de mim. o meu estudo intensivo e sem fim acerca de cuidados a ter contigo e uma enorme expectativa do que seria trazer-te para casa sem ninguém saber, esse mistério curioso do que seria o simples facto de ter um gato. senti-me em parte uma criança, e só isso fez-me feliz. visitei-te quando te encontrei, sem saber bem ainda quem eras tu, e senti-me sem mais palavras feliz. todo pretinho, de pelo feio e com olhos azuis. esperei as semanas necessárias para te trazer com a maior ansiedade possível. e quando vieste, dentro de um saco de papel, estavas muito assustado sem saber o que se passava e para onde te levavam. desculpa. simplesmente não resisti. cabias na minha mão, e querias muito dormir. ofereci-te uma manta que ainda hoje tem o teu cheiro, e sei que nunca a lavarei. gostaste dela o suficiente para a chamares de cama, e aí ofereci-te uma caixinha de cartão onde passaste a dormir com a tua manta. a caixa dizia Alfredo, e Alfredo Hitchcock te chamaste. sinto muito as brincadeiras que tínhamos nesse tempo, como as bolinhas de plástico que atirava e tu corrias para as buscar e trazer de volta. eras matreiro, e só gostavas do melhor. eras dono da razão, um nariz empinado. pois eu, eu gostava de ti assim. levei-te comigo de viagem, e tu nada gostavas de viajar. eu simplesmente queria-te comigo. sempre. e pensei seriamente que nunca nos iríamos separar. o tempo ia passando, e conhecia-te melhor do que ninguém. não eras de todo esquisito, mas a comida só da melhor. contentavas-te com um dia ao sol no quintal, e uma noite quentinha ao lado da tua família. lembras-te quando subiste a chaminé pela primeira vez? fiquei muito assustada por ti e fiz de tudo para vires logo embora, sem sequer perceber que aquele era o teu cantinho. o teu sítio onde mais ninguém podia chegar. era só teu. outras vezes foi arrepiante ver-te. quando te estrangulaste com a trela. quando te vi enforcado não tive reacção. e posso usar a foleira expressão 'o meu coração parou' porque foi realmente isso que senti. quando te salvei tu agradeceste e ficaste muito tempo abraçado a mim. foi bom sentir que estavas protegido e a salvo das coisas más. gostavas muito de passeios. acredita, se não tinhas mais liberdade foi com medo que acontecesse o que aconteceu. mas sempre tentei dar-te o melhor e fazer-te feliz. lembras-te quando te punha na mala de cabeça de fora e íamos passear? e quando te pus no cesto da frente da bicicleta? punhas o nariz de fora a medo e cheiravas tudo! mas um dia saíste para dar uma volta à frente de casa, como matreiramente fazias, e não regressaste a meio da noite como de costume. de manha esperei por ti no quintal, a dormir em cima do baloiço, mas não estavas. a partir desse dia procurei por ti incessantemente. e posso dizer que todas as ruas deste quarteirão ouviram o teu nome. procurei-te nos sítios mais estranhos, mais que uma vez. não sabia se tinhas querido ir à tu vida ou se estavas simplesmente perdido. na altura não interessava, eu tinha de te encontrar. assim foi durante dez dias. todas as noites fazia a minha jornada onde te procurava e chamava sem fim. até que me compreendi que só chamar por ti não chegava, e resolvi ir mais longe. coloquei centenas de papeis com a tua melhor fotografia espalhados pelas ruas. e foi assim que descobri o que é sentir a perda de alguém. a falta da presença daquilo que amamos. é inexplicável o sentimento de chegar a casa e sentir o silêncio, o grande vazio entre as paredes. não vires ter comigo quando chego a casa, para conforme o teu humor roçares-te ou ralhares por ter demorado tanto a chegar. era bom falar contigo, chamar-te e tu responderes. ter a tua companhia e sentir a tua presença onde quer que eu estivesse. a cama é tão grande agora sem ti aos meus pés, aninhado no edredon. queria tanto apertar-te e por-te debaixo do meu queixo como sempre faço. fazes-me falta. demasiada falta.